23 de março de 2011

Lentes

Hoje, eu comi a minha ultima lata de feijões. Os feijões estavam suculentos, mas eu conseguia sentir o sabor azedo dos fungos que emboloraram os pobres grãos. Fazer o que!? Ontem as pessoas admiravam um tal de grande irmão. Um cara babaca, dono de uma grande emissora de televisão que distribuía prêmios para o idiota que passasse mais tempo dentro de uma casa. Hoje, esse cara babaca nos dá ordens sobre o que fazer e quando fazer. Todos o odeiam. Mas odiá-lo é proibido. Então as pessoas odeiam umas às outras. É a válvula de escape normal de toda máquina.
Hoje, eu vi baratas. Baratas andando em meio a toda podridão desse mundo. Elas comiam os restos de tudo o que o ser humano jogava nas sarjetas. Restos de comida, de água potável, de esperança, de honestidade, de fé. Junto com as baratas, andavam outros insetos nojentos e alguns ratos. Dentre os ratos, alguns vestiam ternos e gravatas, como os porcos russos que viveram em meados do século dezenove.
Eu não tenho mais filhos. Não é permitido procriar. E mesmo que fosse, as condições ambientais e sociais não permitiriam que eles tivessem uma vida saudável. Ah! se eu tivesse votado em alguém decente quando era jovem. Ah! se eu tivesse enfrentado minha mãe e todas as donas de casa quando as via lavando as calçadas com mangueira.
Tenho certeza de que não sou louco. Apesar de estar internado na ala psiquiátrica do hospital militar, tenho certeza de que não sou louco. Quando eu era jovem, os presos políticos eram torturados até a morte em celas de prisões afastadas da cidade. Hoje, eles nos internam aqui. Tortura pior não existe. Ninguém acredita mais em nós, revolucionários. O grande irmão tem um laudo médico atestando nossa insanidade. Alguém se atreve a duvidar?

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