13 de fevereiro de 2010

Desilusão

Ato 1

Sexta-feira, véspera do feriadão de Carnaval. Dirijo meu carro nas redondezas da avenida Paulista pela manhã. O sol esquenta o painel do carro mesmo após uma noite chuvosa responsável por muitas enchentes na cidade. Nas principais vias, trânsito, é claro.
Em um dos semáforos ou sinaleiras, como dizem os curitibanos, um grupo de mais ou menos vinte jovens com a cara pintada. Era o tão tradicional pedágio, parte da festa do trote do ingresso na universidade. Um garoto se aproxima do carro.
"Tio..."
Tio? Será que estou tão velho assim? Apenas vinte e poucos anos e me chamam de tio? Ah! Deve ser o carro...
"... você pode contribuir com um dinheiro, um trocado pra nossa festa do trote?"
"Hummm... de qual curso vocês são, menino?" Me vinguei do 'tio'.
"A gente passou em comunicação social na UniX!!" Sua exclamação transbordava alegria e uma sensação de, finalmente, liberdade.
"Grande merda hein! Por que não foi fazer engenharia ou medicina, moleque?"
Ficou tão pálido que nem a tinta vermelha em sua cara o fazia parecer saudável.
"Com esse cursinho e essa faculdadezinha é melhor aprender a pedir dinheiro no farol mesmo!" Arranquei o carro.

Ato 2

Não sei o porque, mas gosto de festas populares. Gosto de perceber o quão essa massa se diverte com coisas chatas, enfadonhas e sem valores morais agregados. Odeio Carnaval, mas sinto uma vontade, um atração intrínseca fortíssima que me faz assistir na televisão só pra poder falar mal. É claro que não tenho nada contra o curso de comunicação social. Muito menos às unixizes da vida, afinal, diz o dito popular que quem faz a escola é o aluno.
Méritos e qualidade ou não a parte, o que me faz agir daquela forma é meu desejo de ver os olhos esperançosos daquele menino virarem pedra. Gosto de ver seu coração parar por um instante e temer uma vida cheias de escolhas erradas.
Naquela sexta-feira eu não tinha nada pra fazer. Peguei trânsito, gastei gasolina (sim, sou um 'pão-duro' assumido), acordei mais cedo apenas pra encontrar alguns pontos de pedágio desses jovens. Depois de minutos de glória e reflexão, mais um cruzamento cheio de 'bichos'.
"Moço, arranja um trocado pra gente?" Dessa vez tive mais sorte. Uma bichete, loirinha, com a cara e os peitos pintados quase colocou o corpo inteiro dentro do meu carro. O cabelo, todo bagunçado provavelmente pelo mesmo veterano que pintou seu corpo. Na blusinha várias notas penduradas de dez, vinte e até cinquenta reais. Eu acho maravilhoso, e ao mesmo tempo primata, como em nossa cultura brasileira o apelo sexual favorece tudo e todos. Só porque o bicho era menina, e bonita por sinal, o pedágio estava praticamente rico.
"Não!!!" Tentei ser o mais direto e rude possível pra mostrar que o fato de eu ser macho e ela fêmea, bonita, jovem, atraente e cheia de desejo não a faria tirar vantagem sobre a situação.
Fechei o vidro do carro expulsando-a, afinal aquilo era invasão de propriedade privada, não? e arranquei.

Ato 3

Uma quadra, semáforo seguinte e outra turma. Meu dia de sorte. Enquanto o trânsito fluia normal, lembrando que o normal de São Paulo é parar umas três vezes no mesmo farol, ouvi a conversa dos bichos e percebi que as turmas, deste semáforo e do anterior, eram de universidades rivais.
E que sorte! Outra bichete, mais bonita e mais qualquer coisa (inclusive mais ébria) que a outra.
"Pedágio, pedágio! Você não tem um dinheiro ou qualquer coisa pra me dar? Preciso contribuir com o pessoal da faculdade."
"Caramba, que azar o seu. Acabei de dar cincquenta reais pruma mocinha no outro farol! Vocês são amigas? Pede pra ela dividir com você." E arranquei o carro.

Moral da história

Toda fábula tem uma moral em seu final. Essa história não se passa na floresta mas tem um monte de bicho que fala. Então, vamos lá...
Sempre que parar num semáforo e um jovem cheio de bondade em seu coração pedir um dinheiro pra comemorar o sucesso de seu ingresso na faculdade, não só negue, como também o magoe. Pois as palavras são armas que ferem e deixam feridas que nunca cicatrizam. E assim, você contribui para o nosso querido Brasil continuar na lama como esteve, está e sempre estará!

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