30 de julho de 2009

O anão mal-dito, parte 2

Dois meses após sua demissão inesperada do boteco e ele, o anão, precisava de um novo emprego. Os bicos como feirante já não eram suficientes para pagar as contas. E cá entre nós, além de lhe custar dois caixotes para alcançar a altura da barraca, vender verduras nunca fora seu forte.
Sua sorte é que sua popularidade no bairro era grande. Os amigos logo souberam de sua situação e se prontificaram a ajudar.
"Geraldinho, esses são os jornais da semana. Consegui negociar com o moço que recolhe as sobras e trouxe pra você dar uma olhada."
Adolfo, o dono da banca de jornais era sim um grande amigo. Pai de família, sem vícios, honesto, era um homem com quem Geraldo sempre contou ao longo de seus 34 anos. Dar jornais, mesmo de uma semana atrás, como tentativa de ajudar na busca de um novo emprego era uma bênção. Pelo menos esses trocados ele podia economizar para o pão do café da manhã.
Neste dia, um anúncio interessante o chamou a atenção: precisa-se de coveiro com urgência, sem experiência, ótimo salário. Logo correu ao orelhão, pegou seu cartão da carteira e telefonou para o númeor indicado. Um tanto quanto estranho, mas a necessidade era grande. Entrevista marcada para sexta-feira às vinte e duas horas.
No dia seguinte após o desjejum, Geraldo logo correu para a banca de jornais para agradecer e dar a notícia a seu amigo.
"Você não acha estranho uma entrevista nessa hora?"
"Muito estraho! Ainda mais em um cemitério..." respondeu Adolfo.
"Segundo o homem que atendeu ao telefone, o horário é por causa do supervisor. Durante o dia é caseiro de uma escola pública. Volta à noite para organizar as pendências do cemitério."
"Vai entender..."
Camisa engomada, paletó, gravata e sapatos engraxados. Vinte e uma horas e dez minutos. Já era hora de sair de casa. O local era perto e Geraldo podia ir andando sem se preocupar com atraso.
O céu estava aberto e apesar de ser tarde da noite, quem mora no morro não precisa ter medo do morro. Os perigos são os mesmo em todos os lugares. Seu único receio era encontrar algum bêbado que expulsou do bar outrora querendo vingança.
As experiências de sua vida não deixavam que ficasse ansioso. Pelo contrário, estava feliz e otimista com a oportinudade. Pelo caminho, fazia planos para melhorar a vida. Pensava em aposentadoria, previdência, poupança, qualquer coisa o prevenisse de um imprevisto.
Ao chegar nos arredores do cemitério, o vento gélido das colinas, o assovio do vento ao passar pelos pinheiros, as lâmpadas da ruas a falhar, as ruas desertas e escuras, as nuvens passando pela lua. Sentiu um frio em sua espinha. Nunca teve tanto medo como agora. Já enfrentou cabra macho com taco de sinuca quebrado nas mãos, pegou cachorro raivoso, fugiu de touro bravo, mas o medo que sentia agora era maior.
Bobeira, coisa de minha cabeça, pensou. Olhou para os lados e viu um vulto passar por um dos portões. Apressou seu passo, quando, vindo de sua frente ouviu um grito estridente. De repente, duas mulheres no lado oposto da rua correm em sua direção desesperadas... Sem saber o que fazer, continua andando.
"Ah! meu Deus... era só aquele anão fedido do boteco! Pode parar de correr, Ivoneide!"

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